O pedido tardou mas veio. O G. está há meses a frequentar um curso de preparação para o Crisma. Ele não chegou a fazer em miúdo porque depois da primeira comunhão já ter sido feita tarde, afastou-se da catequese por se sentir deslocado em relação às outras crianças com quem tinha de estar. Mas pelos vistos isso nunca o afastou de Deus e do acreditar em algo superior a nós, com muito poder e força, capaz de nos trazer coisas boas.
Eu sou católica, cristã, acredito em Deus embora não concorde com uma série de coisas da igreja dos homens. Acredito sim na Igreja, aquela que eu construí na minha cabeça, aquela na qual me baseio para acreditar numa força superior a nós, cheia de luz, imensamente bondosa e generosa, que nos ensina a ajudar o outro, a perdoar quem nos magoa e a amar, sem cultivar maldades. É nisso que acredito.
Apesar de ter tido um percurso, desde muito cedo, ligado a instituições religiosas ditas conservadoras (porque era um meio mais pequeno, meio rural, com tendência à manutenção de ideias ultrapassadas, que não se actualizaram), nunca me foram incutidos valores ou princípios diferentes destes em que acredito hoje. Nunca ninguém me obrigou a pensar de forma diferente, na minha opinião, limitaram-se a transmitir-me conhecimentos e informações, com elas eu fiz o que entendi. Acho que tive a sorte de ter encontrado no meu caminho pessoas iluminadas e muito especiais. A minha professora primária (freira) foi uma pessoa fundamental na construção do meu "eu", na formação e transmissão de valores e princípios que devem nortear a vida humana, sejamos ou não crentes. Também pertenci a uma paróquia que teve um pároco muito especial por alguns anos, que era subtilmente inovador para a época e cativante (que há cerca de um ano/ano e meio tive o privilégio de encontrar, por acaso, aqui na capital e que infelizmente faleceu, pouco depois).
Sempre participei em actividades ligadas à igreja, fiz parte do coro, a minha primária era um externato de irmãs, quando vim para a faculdade, os meus pais fizeram (para mal dos meus pecados) questão de que eu ficasse numa residência universitária também de freiras mas agora vejo que até foi importante ter lá passado aquele primeiro ano, trouxe-me bases, amigas e laços que levarei para a vida...pouco depois (e também por influência da minha passagem pela residência) envolvi-me como voluntária no BA da paróquia onde morei os últimos anos, aquela que me acolheu como universitária e voltei a encontrar pessoas maravilhosas aí. Também aqui o pároco me (nos) recebeu como se fizéssemos parte da família, (aliás, é isso mesmo que o BA para mim significa, uma família) que é uma pessoa muito particular, muito querida por todos, que se preocupa, que quer muito bem a todos os que o rodeiam, que é também muito iluminado e especial.
Eu e o G. fomos voluntários no BA juntos, ele acompanhou e partilha parte do que eu vivi no que toca à religião mas quando o conheci vi nele alguém com muitas dúvidas e com muitas incertezas em relação à fé cristã. Depois percebi que se tratava, na generalidade dos assuntos, de falta de informação, em certos casos, o que o limitava eram ideias enraizadas, tiradas sabe-se lá de onde, que não faziam nem fazem parte da Igreja em que eu acredito. Chegámos a falar sobre o assunto, falávamos sempre sobre tudo e tanta coisa...e até me lembro de ele ter falado do Budismo, uma vez que a sua irmã está muito ligada a essa religião.
Quando abriu o curso de preparação para o Crisma de adultos, ele quis participar e decidiu crismar-se. Para ajudar, teve uma "catequista" muito acessível, sem espartilhos do que os homens querem fazer da igreja, que gosta de ver as coisas sem floreados, que simplifica e que se limita a transmitir a essência das coisas, a contar como foi mas não se restringindo a uma determinada interpretação ou género de, pelo contrário, faz questão de transmitir várias interpretações sobre os temas que aborda para que as pessoas para quem fala tenham as ferramentas essenciais necessárias para formar a sua opinião sobre cada um dos assuntos, criando e construindo a sua própria fé e, no fundo, Igreja.
As sessões de preparação para o Crisma foram momentos de conversa, de partilha, de reflexão e isso só fez com que ele ficasse contente por participar e ter decidido fazê-lo.
Durante algum tempo o assunto da madrinha ou padrinho foi abordado em jeito de brincadeira, em diferentes ocasiões, por diversos motivos. Ele ainda não se tinha decidido. A primeira pessoa em quem pensou foi a nossa querida I. do BA mas ele afastou-se e parece nem estar a morar em Lisboa neste momento e o único conselho que lhe dei foi que escolhesse alguém que pudesse estar próximo dele porque os padrinhos acabam por se afastar (sei-o por experiência própria e ele também que não vê os padrinhos há anos). É normal que aconteça isto, as pessoas têm as suas vidas. Mas se as pessoas forem, por exemplo, da família, estarão sempre mais próximas (como é o caso dos meus primeiros padrinhos), mas morarem perto e terem pontos de interesse em comum facilita muito (o que não acontece com a minha segunda madrinha porque mora mais longe e apesar de ser da família, vejo-a muito raramente). Assim se foram passando os meses, ele não sabia quem poderia ser a sua madrinha ou padrinho...
Quando finalmente soube da data da celebração, falou com a chefe, de quem já se tornou muito próximo, que é uma pessoa muito acessível, que trata como se fosse família quase, sobre o assunto. Mas ela não é religiosa, não é muito crente e não foi crismada (requisito essencial para amadrinhar neste caso). Quando confirmou que era necessário ser crismado (eu já lho tinha dito) para se ser padrinho/madrinha de alguém, soube também que a data apontada para Dezembro, seria antecipada, para Novembro já. Isto foi há uma semana e pouco.
Nesse dia, tinha chegado a minha prima e a amiga e iam ficar connosco lá em casa. Depois de jantarmos ele foi para a preparação do crisma e nós fomos apanhá-lo quando saiu. Era sexta-feira e nós decidimos levar as nossas hóspedes a passear à baixa, passando também pelo Bairro Alto, enfim, um passeio meio turístico. Assim foi... tivemos sorte e apanhámos um lugar para o carro mesmo ao pé do nosso miradouro e lá fomos nós babar para Lisboa "a ponto luz bordada".
Quando lhe perguntei sobre como tinha corrido o crisma e se já sabia como faria em relação à madrinha pôs cara de caso e disse-me "Pois... tenho de falar contigo".
Disse-me que tinha falado com a catequista e esclarecido que não podia ser alguém que não fosse crismado e também que ela lhes tinha dito que deveria ser alguém que fosse um exemplo para eles em relação à fé, que os pudesse orientar na crença em Deus e que ...eu era exactamente essa pessoa para ele.
Quando falámos do assunto, pouco depois de nos conhecermos ele relembrou o facto de eu lhe ter dito que não precisava de confessar-me sempre que queria comungar. Para mim isso sempre foi uma ideia descabida que as pessoas interiorizaram e a mim ensinaram-me que Deus é bom e perdoa, além de que nos ouve sempre que falamos com ele. Ora, assim sendo, porque teria eu de ir confessar os meus pecados (que não se tratam na verdade de pecados, não é roubar, matar ou pecar) a um sacerdote, sempre que quisesse "receber o corpo de Cristo". Aquele padre de quem primeiro falei disse-me uma vez, quando me fui confessar para a primeira comunhão (era "obrigatório"), que aquilo que tinha indicado não eram verdadeiros pecados e que, para aquilo, não precisamos de ir falar com ele, que o Senhor nos perdoa se assim o quisermos. Eu nunca mais me esqueci disso e a verdade é que me confessei, se não me engano, somente duas vezes (a segunda e última foi para o meu crisma).
Para o G. era estranho eu comungar não me tendo confessado, há muito esta ideia do "não ser digno" mas não faz, para mim, qualquer sentido e foi isso que lhe disse, expliquei-lhe o que achava e ele concordou.
Disse-me que desde esse dia passou a ver a Igreja com outros olhos, que eu lhe abri o caminho para tudo isto e fui a "causadora" (ele decidiu crismar-se para poder casar comigo na igreja e para saber mais sobre a Igreja), só que sempre achou de certo modo incompatível eu ser madrinha dele sendo aquela com quem ele quer um dia casar-se. Então esclareceu se não havia inconveniente em relação a isto com a catequista (ao que ela respondeu, obviamente, que não) e, segundo ele, só eu lhe fazia sentido, depois do que lhe tinha finalmente dito a catequista (quanto ao que deveria ser um padrinho/ madrinha neste caso do crisma e depois de tiradas as dúvidas quanto a incompatibilidades).
Ali mesmo, no nosso miradouro, onde há mais de 3 anos partilhámos a nossa primeira noite e trocámos o primeiro beijo, pediu-me que fosse sua madrinha e eu aceitei.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigada pelas tuas palavras!